segunda-feira, fevereiro 22, 2010

Ela

   Ela chega em casa, liga o som e ouve a voz da Björk gritando seus sentimentos intensos, assim ela derrama todas as lágrimas contidas no caminho, os soluços que daria no ônibus, o nariz trancado dentro do elevador, tudo, tudo descarregado ao entrar em casa.
   Um ademissão e o chão sumiu. O chefe gordo e calvo apenas disse "contenção de gastos". Gritos compulsivos, ofensas indizíves, frustrações anteriores, era assim que ela queria agir: expressar tudo, mas não foi capaz.
   No sofá da sala, com uma camiseta da copa de 98, agora assistindo o qualquer filme na Sessão da Tarde, ela previa seu futuro de inglórias e anticonquistas, sofrendo por algo que não aconteceu. Seu primeiro emprego pós-faculdade e ela já sentia o mundo desmoronando, a carreira ruindo. Novela mexicana total.
   Ouve um estrondo narua, calmamente vai até a janela e vê um carro praticamente no meio de um poste. Aquelas divagações básicas de "oh, há gente pior do que eu" e outros tantos clichês animadores passam por sua cabeça.
   Chorou um pouco em frente a janela, depois colocou o CD de rock mais pesado que tinha na prateleira, abriu o guarda-roupas, jogou tudo no chão e decidiu: agora é a minha hora. Abriu seu próprio negócio, usou as roupas que quis, pintou os cabelos de roxo, pintou três quadros dos quais se arrependeu, teve alguns namorados, amou um ou dois, assistiu bons filmes e sim, deixou as lágrimas caírem todas as vezes que sentiu vontade, sem medo, sem vergonha; viveu como quis e foi feliz.

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